Trata-se de uma narrativa, dinâmica, inovadora, inteligente e interessante, dividida em 70 capítulos.
São narrativas fragmentadas, não vinculadas, com pitadas esotéricas e religiosas.
São fragmentos de vidas, histórias, sentimentos, fatos e pensamentos. Verdadeiro caleidoscópio. Transmite-nos a sensação de velocidade, de dinamicidade, da correria da vida real ... no mais das vezes a sensação e o sentimento assemelha-se a descrição (o mais fiel na medida do possível) das imagens e acontecimentos que se passam diante de uma pessoa que olha pela janela de um carro ou de um trem em razoável velocidade.
Não existe um personagem específico na ficção, mas todos podemos ser e somos personagens de sua obra. “Eles eram muitos cavalos, mas ninguém mais sabe os seus nomes, sua pelagem, sua origem ...” (Cecília Meireles).
São abordadas na obra predominantemente as classes baixa a média baixa da sociedade. É aborda toda a miscelância da sociedade paulistana. Uma verdadeira crítica social.
A narrativa, que a primeira vista causa pode causar um impacto negativo, logo se torna envolvente. Isso em razão da dinâmica da narrativa que possui um start e vai se desenvolvendo e envolvendo o leitor.
O autor faz uma narrativa muito clara do cotidiano de pessoas comuns, abordando pontos de vista que nos passa cotidianamente despercebidos. A obra consegue ressaltar de forma inteligente todos esses aspectos, tonando-os interessantes e atraentes, enquanto no dia a dia os mesmos aspectos nos parece apenas comuns.
São abordadas as pessoas, as mais diversas situações das pessoas médias comuns e a própria cidade (sociedade). Sim, a cidade (sociedade) é abordada também como uma personagem, e seus moradores e as situações e fatos que nela vivem e acontecem, fazem parte de seu ser.
Com grande maestria, o autor utiliza uma técnica de escrita e linguagem que nos faz sentir envolvidos com as situações descritas, fazendo com que os sentimentos, cheiros, barulhos, etc, sejam sentidos pelo leitor.
Também cita objetos e locais com grande freqüência que fazem com que o leitor se situa perfeitamente na leitura da obra, ou seja, a partir de citações de locais (estações de metrô, marcos conhecidos da cidade, como a esquina da Av. Ipiranga, Praça da República, Av. Santo Amaro, Barão de Itapetininga, Barão de Paranapiacaba, Av. Faria Lima, bairros da periferia, etc), objetos (Chevette, cigarro L&M, caneta BIC, etc), costumes comportamentais típicos, etc.
O autor engloba em sua técnica, as descrições minuciosas e detalhistas do movimento Realista de Machado de Assis e a frieza e ceticismo memoráveis da dramaturgia negativista de Nelson Rodrigues.
Por vezes, tem-se a impressão de se tratar a obra de uma descrição ou transcrição estenotipada de imagens, situações, locais e fatos da vida cotidiana, captada por uma câmera que sobrevoa à velocidades diferentes (com breves paradas e que também pode ler os pensamentos) todas as hipóteses descritas.
Trata-se de uma obra que quanto mais te prende mais você apreende, na medida em que despretenciosamente (não desatentamente) se lê. Deve-se deixar levar e envolver pela obra, que procura nos passar os sentimentos reais de seus personagens.
Por Eunice Matos
Luiz Ruffato nasceu em Cataguases, Minas Gerais, em 1961. Graduou-se em Comunicação na Universidade Federal de Juiz de Fora. Antes de se devotar ao campo da Comunicação e ao ofício da literatura, trabalhou como pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, jornalista, sócio de assessoria de imprensa, gerente de lanchonete, vendedor de livros autônomo e de novo como jornalista. Nesta área ele atua até hoje, na cidade de São Paulo, onde vive há pelo menos dez anos.
O estilo de escrita adotado na obra pelo autor corresponde ao Movimento Realista, ao Modernismo e ao Ceticismo.
Bibliografia:
Ruffato, Luiz. “Eles Eram Muitos Cavalos”. Edições BestBolso. Rio de Janeiro: 1ª. Edição, 2010.
Eles eram muitos cavalos....
ROMANCE LXXXIV ou
DOS CAVALOS DA INCONFIDÊNCIA
Eles eram muitos cavalos,
ao longo dessas grandes serras,
de crinas abertas ao vento,
a galope entre águas e pedras.
Eles eram muitos cavalos,
donos dos ares e das ervas,
com tranqüilos olhos macios,
habituados às densas névoas,
aos verdes prados ondulosos,
às encostas de árduas arestas,
à cor das auroras nas nuvens,
ao tempo de ipês e quaresmas.
Eles eram muitos cavalos
nas margens desses grandes rios
por onde os escravos cantavam
músicas cheias de suspiros.
Eles eram muitos cavalos
e guardavam no fino ouvido
o som das catas e dos cantos,
a voz de amigos e inimigos,
- calados, ao peso da sela,
picados de insetos e espinhos,
desabafando o seu cansaço
em crepusculares relinchos.
Eles eram muitos cavalos,
- rijos, destemidos, velozes -
entre Mariana e Serro Frio,
Vila Rica e Rio das Mortes.
Eles eram muitos cavalos,
transportando no seu galope
coronéis, magistrados, poetas,
furriéis, alferes, sacerdotes.
E ouviam segredos e intrigas,
e sonetos, liras e odes:
testemunhas sem depoimento,
diante de equívocos enormes.
Eles eram muitos cavalos,
entre Mantiqueira e Ouro Branco
desmanchado o xisto nos cascos,
ao sol e à chuva, pelos campos,
levando esperanças, mensagens,
transmitidas de rancho em rancho.
Eles eram muitos cavalos,
entre sonhos e contrabandos,
alheios às paixões dos donos,
pousando os mesmos olhos mansos
nas grotas, repletas de escravos,
nas igrejas, cheias de santos.
Eles eram muitos cavalos:
e uns viram correntes e algemas,
outros, o sangue sobre a forca,
outros, o crime e as recompensas.
Eles eram muitos cavalos:
e alguns foram postos à venda,
outros ficaram nos seus pastos,
e houve uns que, depois da sentença
levaram o Alferes cortado
em braços, pernas e cabeça.
E partiram com sua carga
na mais dolorosa inocência.
Eles eram muitos cavalos.
E morreram por esses montes,
esses campos, esses abismos,
tendo servido a tantos homens.
Eles eram muitos cavalos,
mas ninguém mais sabe os seus nomes
sua pelagem, sua origem...
E iam tão alto, e iam tão longe!
E por eles se suspirava,
consultando o imenso horizonte!
- Morreram seus flancos robustos,
que pareciam de ouro e bronze.
Eles eram muitos cavalos.
E jazem por aí, caídos,
misturados às bravas serras,
misturados ao quartzo e ao xisto,
à frescura aquosa das lapas,
ao verdor do trevo florido.
E nunca pensaram na morte.
E nunca souberam de exílios.
Eles eram muitos cavalos,
cumprindo seu duro serviço.
A cinza de seus cavaleiros
neles aprendeu tempo e ritmo,
e a subir aos picos do mundo...
e a rolar pelos precipícios...
Poesia de Cecília Meirelles
LABIRINTO-ENGRENAGEM
São Paulo, aproximação para pouso no Aeroporto de Congonhas, 08:00hs da manhã de uma segunda-feira, o tempo está excelente, mas é nítida uma camada cinza e opaca sobre a cidade e a aeronave entra num mergulho rumo a pista de aterrissagem. Momentos antes já se avista a cidade, dado o seu tamanho impressionante, seu gigantismo imponente, onde o que se vê é um labirinto infindável de edifícios erguidos em concreto, em vidro, em aço, de uma arquitetura monumental. A sensação é de que vamos pousar dentro de uma grande engrenagem que se movimenta sem interrupções, 24hs por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano, movendo-se e modificando-se freneticamente, pelas avenidas entupidas, pelas muitas calcadas intransitáveis, dentro do labirinto-engrenagem onde a diversidade se faz presente em todos os aspectos.
Minutos antes de alcançarmos terra firme, tem-se a sensação de que a aeronave se tornou minúscula e de que entramos no meio do labirinto de concreto, como se num vôo panorâmico em alta velocidade, onde as asas da aeronave desviam das paredes e dos tetos colossais, onde tem-se a impressão de que podemos por pouco arranhar partes do labirinto, mas em segundos alcançamos o solo, somos agora mais uma peca da metrópole, mas um mecanismo da engrenagem, estamos inseridos nela e o que se sente ao abrirmos a porta da aeronave é essa energia acelerada da urgência das pessoas em desembarcar e continuar a mover a engrenagem, entre os sons frenéticos das turbinas aterrissando e decolando, misturadas ao burburinho de vozes, e do combustível queimando e se transformando em poluição que se confunde ao cheiro peculiar das paginas de jornais abarrotadas de noticias. Ao chegarmos do lado de fora do aeroporto a fila de taxi quilométrica se desfaz e refaz instantaneamente, de forma impressionante, tudo tem um quê de gigante, de dinâmico, de urgente, e assim as pessoas se vão, se embrenhando e se mesclando ao labirinto-engrenagem da incansável São Paulo.
Por Daniela Farroco
Dados Biográficos do autor
Luiz Ruffato nasceu em Cataguases, Minas Gerais, em 1961. Graduou-se em Comunicação na Universidade Federal de Juiz de Fora. Antes de se devotar ao campo da Comunicação e ao ofício da literatura, trabalhou como pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, jornalista, sócio de assessoria de imprensa, gerente de lanchonete, vendedor de livros autônomo e de novo como jornalista. Nesta área ele atua até hoje, na cidade de São Paulo, onde vive há pelo menos dez anos.
O estilo de escrita adotado na obra pelo autor corresponde ao Movimento Realista, ao Modernismo e ao Ceticismo.
Bibliografia:
Ruffato, Luiz. “Eles Eram Muitos Cavalos”. Edições BestBolso. Rio de Janeiro: 1ª. Edição, 2010.
Eles eram muitos cavalos....
ROMANCE LXXXIV ou
DOS CAVALOS DA INCONFIDÊNCIA
Eles eram muitos cavalos,
ao longo dessas grandes serras,
de crinas abertas ao vento,
a galope entre águas e pedras.
Eles eram muitos cavalos,
donos dos ares e das ervas,
com tranqüilos olhos macios,
habituados às densas névoas,
aos verdes prados ondulosos,
às encostas de árduas arestas,
à cor das auroras nas nuvens,
ao tempo de ipês e quaresmas.
Eles eram muitos cavalos
nas margens desses grandes rios
por onde os escravos cantavam
músicas cheias de suspiros.
Eles eram muitos cavalos
e guardavam no fino ouvido
o som das catas e dos cantos,
a voz de amigos e inimigos,
- calados, ao peso da sela,
picados de insetos e espinhos,
desabafando o seu cansaço
em crepusculares relinchos.
Eles eram muitos cavalos,
- rijos, destemidos, velozes -
entre Mariana e Serro Frio,
Vila Rica e Rio das Mortes.
Eles eram muitos cavalos,
transportando no seu galope
coronéis, magistrados, poetas,
furriéis, alferes, sacerdotes.
E ouviam segredos e intrigas,
e sonetos, liras e odes:
testemunhas sem depoimento,
diante de equívocos enormes.
Eles eram muitos cavalos,
entre Mantiqueira e Ouro Branco
desmanchado o xisto nos cascos,
ao sol e à chuva, pelos campos,
levando esperanças, mensagens,
transmitidas de rancho em rancho.
Eles eram muitos cavalos,
entre sonhos e contrabandos,
alheios às paixões dos donos,
pousando os mesmos olhos mansos
nas grotas, repletas de escravos,
nas igrejas, cheias de santos.
Eles eram muitos cavalos:
e uns viram correntes e algemas,
outros, o sangue sobre a forca,
outros, o crime e as recompensas.
Eles eram muitos cavalos:
e alguns foram postos à venda,
outros ficaram nos seus pastos,
e houve uns que, depois da sentença
levaram o Alferes cortado
em braços, pernas e cabeça.
E partiram com sua carga
na mais dolorosa inocência.
Eles eram muitos cavalos.
E morreram por esses montes,
esses campos, esses abismos,
tendo servido a tantos homens.
Eles eram muitos cavalos,
mas ninguém mais sabe os seus nomes
sua pelagem, sua origem...
E iam tão alto, e iam tão longe!
E por eles se suspirava,
consultando o imenso horizonte!
- Morreram seus flancos robustos,
que pareciam de ouro e bronze.
Eles eram muitos cavalos.
E jazem por aí, caídos,
misturados às bravas serras,
misturados ao quartzo e ao xisto,
à frescura aquosa das lapas,
ao verdor do trevo florido.
E nunca pensaram na morte.
E nunca souberam de exílios.
Eles eram muitos cavalos,
cumprindo seu duro serviço.
A cinza de seus cavaleiros
neles aprendeu tempo e ritmo,
e a subir aos picos do mundo...
e a rolar pelos precipícios...
Poesia de Cecília Meirelles
LABIRINTO-ENGRENAGEM
São Paulo, aproximação para pouso no Aeroporto de Congonhas, 08:00hs da manhã de uma segunda-feira, o tempo está excelente, mas é nítida uma camada cinza e opaca sobre a cidade e a aeronave entra num mergulho rumo a pista de aterrissagem. Momentos antes já se avista a cidade, dado o seu tamanho impressionante, seu gigantismo imponente, onde o que se vê é um labirinto infindável de edifícios erguidos em concreto, em vidro, em aço, de uma arquitetura monumental. A sensação é de que vamos pousar dentro de uma grande engrenagem que se movimenta sem interrupções, 24hs por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano, movendo-se e modificando-se freneticamente, pelas avenidas entupidas, pelas muitas calcadas intransitáveis, dentro do labirinto-engrenagem onde a diversidade se faz presente em todos os aspectos.
Minutos antes de alcançarmos terra firme, tem-se a sensação de que a aeronave se tornou minúscula e de que entramos no meio do labirinto de concreto, como se num vôo panorâmico em alta velocidade, onde as asas da aeronave desviam das paredes e dos tetos colossais, onde tem-se a impressão de que podemos por pouco arranhar partes do labirinto, mas em segundos alcançamos o solo, somos agora mais uma peca da metrópole, mas um mecanismo da engrenagem, estamos inseridos nela e o que se sente ao abrirmos a porta da aeronave é essa energia acelerada da urgência das pessoas em desembarcar e continuar a mover a engrenagem, entre os sons frenéticos das turbinas aterrissando e decolando, misturadas ao burburinho de vozes, e do combustível queimando e se transformando em poluição que se confunde ao cheiro peculiar das paginas de jornais abarrotadas de noticias. Ao chegarmos do lado de fora do aeroporto a fila de taxi quilométrica se desfaz e refaz instantaneamente, de forma impressionante, tudo tem um quê de gigante, de dinâmico, de urgente, e assim as pessoas se vão, se embrenhando e se mesclando ao labirinto-engrenagem da incansável São Paulo.
Por Daniela Farroco
ELES ERAM MUITOS CAVALOS
Autor: RUFFATO, LUIZ
GRUPO: Daniela Farroco, Eunice Matos
Nenhum comentário:
Postar um comentário