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Li uma declaração sua dizendo que “detesta moda”, que ela é só uma desculpa para você fazer suas pesquisas e viajar. É isso mesmo?
[Risadinha] Eu costumo dizer que moda é interpretação de texto, de um contexto cultural, econômico e social de uma época. Foi por esse conceito que me interessei e, quando vi, tinha se tornado o meu ofício. Agora, a moda pela busca da tendência que foi lançada em Paris, do que virou hype, do comprimento que desceu 3 cm, isso não me interessa. É uma coisa que olha unicamente para o comércio.
Como foi o seu começo como estilista?
Eu sempre desenhei muito bem. Fazia qualquer curso de desenho, desde que fosse gratuito, já que não tinha dinheiro. Aí encontrei uma amiga que me falou de um curso no Senac. No fim do curso, tirei a nota mais alta. O setor de colocação profissional do Senac me ofereceu um emprego para desenhar em uma loja de tecidos. Eu tinha 16, 17 anos. Depois uma confecção me contratou. Eu não tinha vivência de moda feminina, nenhum repertório. Não tinha irmãs nem mãe, pois ela já tinha morrido. Então o que eu fazia? Andava pelas ruas e observava as roupas. Olhava uma gola de que eu gostava e falava: “Vou registrar”. Olhava para uma manga e fazia o mesmo. E fui montando meus Frankensteins. E como eu fazia para descobrir a roupa que as pessoas queriam? Puxava conversa. Ouvia as histórias delas. O que todas tinham em comum era que a roupa era um instrumento para a conquista amorosa – com o outro, com o grupo, consigo mesma. Por trás de toda roupa, está escondida uma história de amor.
Como foi a trajetória até você se tornar famoso?
Nos anos 90, ganhei uma bolsa de estudos num concurso. O prêmio era uma pós-graduação na Parson’s School de Nova York. De lá, fui para Londres e depois voltei ao Brasil. Fiz a coleção “Eu Amo Coração de Galinha”, que apresentei no Phytoervas Fashion em 1996. Na época, a Erika Palomino escreveu na Folha que eu era a “zebra da noite” e já dizia que, por trás daquele teatro todo, tinha muita moda, que era preciso prestar atenção. Depois disso, não parei mais.
Como é o seu processo de criação artística? Como você escolhe os temas dos desfiles?
Escolho tudo aquilo que me dá comichão, o que me dá vontade de pesquisar sobre o assunto. Em cada desfile, é como se eu estivesse contando uma história. “Ah, vamos falar de Nara Leão?” Aí eu mergulho e leio tudo sobre Nara Leão. Fico meses pesquisando, conversando com as pessoas, visitando os lugares ligados àquele tema.
Qual é a importância da trilha sonora nos desfiles?
A música é a voz da roupa. Antes de pensar na roupa, tenho que pensar no contexto da história que eu quero contar. Com isso definido, naturalmente a roupa aparece pedindo para ter determinada cor, determinado tecido, volume e comprimento. Por isso que eu digo que não faz sentido ficar acompanhando qual é o hype do momento, o que está na moda lá fora, entende?
Érico Hiller
Visita ao artesanato de Pirapora
Como é o seu trabalho com as comunidades de artesãos pelo Brasil?
Na primeira vez que eu levei esses trabalhos para a passarela, tive muito pudor. Porque você dá uma exposição para aquelas pessoas, e a expectativa é que essa exposição continue. Mas eu só posso ficar com aquilo por uma ou duas coleções. Então, agora, com o trabalho com as bordadeiras de Pernambuco, mudei de tática. Se você for a minha loja e comprar uma roupa, vai encontrar uma etiqueta com todas as informações: bordado na cidade tal, por tal grupo e o e-mail dele, caso queira entrar em contato. Descobri que a melhor forma de ajudar essas pessoas é expor, oferecer a minha vitrine e a minha passarela. É fácil? Não é. É tudo longe, é tudo difícil. Tem o problema da logística, da gestão dessas pessoas, de elas não entregarem na data combinada. Não é fácil. Mas é algo de que eu não quero desistir.
Quais são os seus próximos projetos?
Vou desenvolver um desfile inspirado no cinema brasileiro. Tenho que escolher 40 filmes e criar vestidos a partir deles. É um projeto da Petrobras que vai abrir os festivais de cinema no ano que vem: Paulínia, Rio, Recife, Gramado, São Paulo. Outro projeto é uma linha de cama, mesa e banho para a Tok&Stok. Essa exposição sobre o São Francisco eu quero levar para 15 cidades. E tem um livro que eu quero fazer com os meus cadernos de anotações para as coleções.
Como é a sua relação com os outros estilistas?
Tenho uma relação cordial com todos eles. De proximidade, tenho com o Jum Nakao. A gente sempre sai para jantar juntos. Admiro também a Danielle Jensen, da Maria Bonita, que tem um trabalho maravilhoso. Gosto do André Lima e da Gloria Coelho.
O que você acha do Pedro Lourenço, filho da Gloria Coelho e do Reinaldo Lourenço?
O Pedro Lourenço teve uma formação que tem tudo para torná-lo um grande estilista. Desde bebê, ele frequentava os desfiles. É um menino destemido, com 20 anos já tem uma marca. Mas espero que, no futuro, ele olhe com carinho e afeto para a cultura brasileira.
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