sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Nunca Fui Primeira-Dama, de Wendy Guerra. Tradução de Josely Vianna Baptista. Editora Benvirá, 255 págs., R$ 39,90.

Convidada da Flip deste ano, a cubana Wendy Guerra depende da boa vontade do governo castrista em lhe conceder um visto de saída para marcar presença na festa em Parati. Ainda assim, ela continua morando em Cuba por vontade própria e diz não se imaginar em outro lugar. Essa relação conflituosa, de atração e repulsão, de carinho e dissidência, permeia o segundo romance de Wendy, Nunca Fui Primeira-Dama, editado em oito países, entre eles Espanha e França, mas proibido na ilha caribenha. Além de poder viajar para o exterior (diferentemente da blogueira Yoani Sánchez, por exemplo), a escritora tem acesso à internet e representa um dos raros focos de resistência ativa na ditadura de Fidel e Raul Castro. O estilo insolente e sem papas na língua, porém, fez com que seu programa de televisão para crianças, um fenômeno local de audiência, fosse cancelado, seu telefone, grampeado, e seus e-mails, vasculhados. A artista, provocadora, ignorou a pressão e até posou nua para um ensaio fotográfico. O autor do retrato, que ilustra esta página, é o argentino Daniel Mordzinski, responsável por imagens de escritores como Mario Vargas Llosa e Enrique Vila-Matas, entre outros.

Nunca Fui Primeira-Dama é narrado por Nadia Guerra, alter ego da autora e locutora de rádio dada a lampejos de iconoclastia que acaba, à maneira de sua criadora, perdendo o programa devido a declarações polêmicas. Por meio de vários registros literários - diários, cartas, gravações e depoimentos -, Wendy mistura fato e ficção. A protagonista do livro investiga a vida de duas mulheres: sua mãe, Albis Torres, artista plástica, cantora e escritora que a abandonou ainda na infância após ser perseguida pela ditadura, e Celia Sánchez, guerrilheira, secretária pessoal de Fidel Castro e, desconfia-se, esposa não oficial do comandante da revolução. Nadia encontra a mãe desmemoriada - a única maneira de se desvencilhar dos horrores do totalitarismo, afinal, é perder as lembranças - e descobre com ela um livro inacabado e recheado de revelações bombásticas.

O tema principal de Nunca Fui Primeira-Dama é a difícil relação dos filhos da revolução com a pátria. Jovens demais para terem se engajado na luta de Fidel e Che, anseiam por liberdade num país que é como um museu que não desmoronou numa batalha, observa a protagonista. Mais do que coragem e ousadia, o egocentrismo da autora-narradora transborda ternura pelos cadáveres, tanto físicos como morais, que a envolvem. Gritar por socorro e atenção é o modo que encontrou para evitar a solidão, manter a sanidade e escapar da morte.
Jonas lopes é jornalista de Veja São Paulo
O LIVRO

Nunca Fui Primeira-Dama, de Wendy Guerra. Tradução de Josely Vianna Baptista. Editora Benvirá, 255 págs., R$ 39,90.

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